Anunciado em março por Ricardo Barros (PP), então ministro
da Saúde, e pelo presidente Michel Temer, o investimento de R$ 346,2
milhões do consórcio formado pelo laboratório suíço Octapharma e o
Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) para conclusão do complexo da
Hemobrás em Goiana (PE) “não evoluiu devido à indefinição quanto ao
embasamento jurídico”, segundo o Ministério da Saúde.
A pasta afirma
que a “análise do projeto ainda está em andamento”, mas não dá prazos
para conclusão. O investimento seria exclusivo para projeto
Hemoderivado, não envolvendo a Parceria para o Desenvolvimento Produtivo
(PDP) de fator VIII recombinante, feita com a farmacêutica Shire.
O ministério e a Hemobrás (nota) não detalham a “indefinição” jurídica que trava o acordo. O ministro da Saúde, Gilberto Occhi, afirmou ao JOTA que “a Hemobrás vai funcionar, esta é a decisão”, mas não apontou como será financiada a conclusão das obras.
O
status “em análise” cria novo obstáculo ao projeto de tornar o Brasil
autossuficiente em hemoderivados. O investimento da Octapharma seria
somado ao bolo de R$ 195,5 milhões do ministério e R$ 101,1 milhões de
recursos próprios da Hemobrás, levantados para concluir a fábrica em
dois anos, conforme dito pelo governo em março.
Os
valores prometidos pela Octapharma têm origem em parceria com a Tecpar,
que ficaria com a função de gerir o plasma colhido nas regiões
centro-sul e sudeste do país. A Hemobrás agora estima que as obras
fiquem prontas em 2023.
Em março, o governo também afirmava que a Octapharma iria substituir a francesa LFB (Laboratoire Français du Fractionnement et Biotechnologies) na tarefa de fracionar o plasma. Em resposta
via Lei de Acesso à Informação, porém, a Hemobrás disse que “nem a
Octapharma nem qualquer outra empresa é responsável por substituir o LFB
do projeto de transferência de tecnologia para produção de
Hemoderivados”.
A Octapharma diz que
busca contribuir “nas propostas de solução da Hemobrás”. A empresa
também diz aguardar decisão do ministério sobre a parceria. A Tecpar não
respondeu à reportagem.
Fator Barros
O
anúncio do investimento do consórcio Octapharma/Tecpar na Hemobrás foi
lido nos bastidores como um meio de Ricardo Barros levar pelo menos
parte das operações de hemoderivados ao Paraná, seu reduto eleitoral. A
operação ainda evitaria atingir a PDP com a Shire, que poderia colocar o
ex-ministro em problemas com a Justiça.
Antes de março,
Barros declarava publicamente a intenção de retirar a operação mais
valiosa da Hemobrás (Fator VIII recombinante) para deixar sob
responsabilidade da Tecpar, por meio de parceria com a Octapharma. A
ideia do ex-ministro foi duramente criticada pela bancada pernambucana
no Congresso Nacional.
O Ministério Público Federal em
Pernambuco (MPF-PE) viu nos gestos de Barros tentativa de “esvaziar” as
atribuições da Hemobrás e desfazer a PDP com a Shire. O órgão chegou a pedir o afastamento cautelar do então ministro do cargo. A Justiça Federal rejeitou o pedido de afastamento, mas garantiu as compras dentro da PDP.
Barros esteve em 2 de agosto
no Ministério da Saúde. Cobrou do atual ministro Gilberto Occhi pressão
sobre a Hemobrás para levar a parceria com a Octapharma para frente.
Segundo Barros, o ministro teria garantido que a ordem é para seguir com
o acordo anunciado em março. Além de Barros, estiveram no ministério a
governadora do Paraná, Cida Borghetti, e o presidente da Tecpar, Júlio
Félix.
Mais de R$ 1 bilhão investido
A
estatal foi criada em 2004 e as obras em Goiana começaram em 2010. Já
foi investido mais de R$ 1 bilhão na conclusão da fábrica, segundo dados do governo. Conforme nota da
Hemobrás, a fábrica em Goiana está com 70% da obra finalizada. Ainda
assim, a empresa ainda não fabrica hemoderivados, o que está previsto a
partir de 2020.
Em paralelo à conclusão da fábrica, há o
imbróglio sobre a PDP com a Shire para fabricação de Fator VIII
Recombinante. A reestruturação da parceria foi aprovada em julho pelo
ministério. A proposta está em análise na Hemobrás. A decisão final será
do Conselho da estatal, que ainda não tem reunião agendada sobre o
caso, segundo a assessoria. Detalhes sobre o que deve ser alterado na
PDP não foram informados pelo ministério, Hemobrás ou Shire.
Shire não discute outros investimentos
Questionada pelo JOTA se poderia assumir o investimento frustrado do consórcio Octapharma/Tecpar, a irlandesa Shire disse em nota que
está “empenhada” apenas na reestruturação da PDP com a Hemobrás. “Por
enquanto, a Shire não discutirá outros investimentos até que o plano de
reestruturação da PDP para o Fator VIII recombinante esteja formalmente
aprovado pelos membros responsáveis por analisar a proposta
reestruturada.”
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